domingo, 20 de dezembro de 2009

Para quem os sinos dobram?

Para quem os sinos dobram?

Por Sérgio U. Dani, de Göttingen, 20 de dezembro de 2009

Esta carta é uma resposta ao Tadeu Santos, de Santa Catarina, que
postou o seguinte comentário sobre o meu artigo publicado neste blog
("O que está em jogo em Copenhague"): “Sergio, o aquecimento global
pode até afetar todo mundo, mas causa mais sofrimento e dano aos mais
pobres que vivem em moradias desprotegidas e os que residem em área de
risco. Pelo menos é isto que estamos observando aqui no sul de SC, com
as tragédias do clima decorrentes de enchentes, chuvas de granizo
gigante, estiagens, vendavais/tormentas, ciclones, tornados e o
furacão Catarina. Suas outras avaliações são precisas. Tadeu Santos”


Prezado Tadeu Santos, o que tenho observado é que os pobres sofrem
PRIMEIRO, o que nos faz pensar erroneamente que eles são os únicos que
sofrem. A verdade profunda é que o que acontece com os que hoje são
pobres, também acontecerá com os que hoje são considerados ricos. Há
uma ligação em tudo, dos níveis hierárquicos mais simples aos mais
complexos.

O nível hierárquico mais simples é o nível econômico clássico. Serrano
Neves tem uma metáfora que nos ajuda a entender esse nível. Imagina
que os pobres constituem o lastro de um grande navio. Eles viajam na
classe econômica, nos porões desse navio. Sem o peso dos pobres, o
navio tomba, matando todo mundo, inclusive os que viajam na primeira
classe e os que estão na torre de comando.

O nível ecológico é muito mais abrangente e cruel. James Lovelock,
autor da teoria de Gaia, acredita que nem mesmo os ricos conseguem
manter-se incólumes diante das mudanças climáticas de nível global.
A razão é simples: os ricos não dependem somente dos pobres para
alimentá-los e conferir-lhes poder econômico e político. Eles dependem
também de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Um rei é tão
forte quanto a quantidade e a qualidade de seus súditos. Um predador é
tão forte quanto fortes e abundantes forem suas presas. Mas impérios e
ecosistemas inteiros podem ruir diante de catástrofes ecológicas. Há
uma ligação em tudo, e não haverá mais tempo ou lugar para onde fugir
ou se refugiar. O que acontece hoje com os pobres e as minorias é um
prenúncio do que acontecerá com os ricos e as maiorias.

Em 1940, Ernest Hemmingway escreveu o romance "Para quem o sino dobra"
(em inglês, For Whom the Bell Tolls). O romance é baseado na sua
experiência pessoal como participante voluntário da Guerra Civil
Espanhola ao lado dos republicanos. Ele critica a violência entre os
contendores à direita e à esquerda e, principalmente, a política de
privilégios instaurada durante uma guerra absurda, travada entre
irmãos: "Quando morre um homem, morremos todos, pois somos parte da
humanidade", diz Hemingway. Ernest Hemingway teve uma visão social e
ecológica profunda, que a maioria dos nossos contemporâneos ainda não
possui.

Com a internet e a televisão, estamos acostumados a receber as
notícias de catástrofes e sofrimento humano que vêm de lugares
distantes de onde vivemos, como se não fossem problemas nossos. Entre
uma desgraça e outra, assistimos programas alegres de auditório e
propagandas com gente considerada bela, rica, inteligente e poderosa.
Nós nos iludimos e somos levados a crer que direitos humanos é coisa
para pobres minorias desprotegidas, não para nós, a maioria
privilegiada e aparentemente protegida.

Estou vivendo na Alemanha há seis meses com a família, trabalhando
aqui como médico e procurando participar de uma rede de colaboração
internacional. Meus amigos no Brasil caçoam de mim quando eu falo que
a Alemanha é um país pobre, e o Brasil, um país rico. Vejo meus
colegas médicos vivendo com dificuldade, tanto no Brasil como na
Alemanha, porque as relações econômicas aqui não são diferentes das
daí. A diferença é que aqui vive-se um estado social, e aí vive-se um
estado brutal. Aqui somos pobres, mas vivemos com dignidade, pagamos
altos impostos e recebemos benefícios sociais em troca. Aí somos
pobres e vivemos massacrados, sustentando um punhado de políticos,
burocratas e financistas improdutivos, despreparados, insaciáveis e à
serviço do capital transnacional. Conforme avaliava Keynes, a boa
qualidade de vida do cidadão do nível de cima é construída à custa da
qualidade de vida do cidadão do nível de baixo.

Mas tudo isso perde em importância diante das mudanças climáticas.
Assim como a AIDS, que forçou uma mudança de comportamento em todas as
camadas sociais, principalmente depois que a sociedade percebeu que
AIDS não é doença só de homossexual, assim também as mudanças
climáticas globais vão provocar mudanças sociais profundas, depois que
a sociedade perceber que não são somente os pobres os que morrem e
sofrem.

Vivemos em famílias e nações, mas num único planeta. Aqui compartimos
do mesmo sofrimento sistêmico, queiramos ou não. Com o aquecimento
global e a degradação dos recursos finitos, todo o planeta está se
tornando uma área de risco. Haverá muito choro e ranger de dentes.
Quando, ao ouvirmos os sinos dobrarem anunciando a morte de um irmão
nosso mais pobre, e nos perguntarmos "por quem os sinos dobram?",
alguém responder "eles dobram por nós", e daí tomarmos uma atitude,
então haverá mudança útil. Somente a compaixão humana poderá evitar o
caos. Diliges proximum tuum sicut te ipsum (“Amai ao próximo como a ti
mesmo”) continua valendo, mais forte e convincente do que nunca. Assim
também outro conselho romano, “Carpe diem”, “utilize o dia”, que
significa exatamente o oposto de gozar do dia. Significa fazer algo de
útil para salvar a humanidade e o planeta no tempo que nos resta. “A
arte é longa, a vida é breve, a ocasião é fugidia” (Hipócrates).

--
Sergio Ulhoa Dani, Dr.med. (DE), D.Sc. habil. (BR)
Göttingen, Germany
Tel. 00(XX)49 15-226-453-423
srgdani@gmail.com

Visit the Acangau Foundation websites at:
http://www.sosarsenic.blogspot.com/
http://www.acangau.net/
http://www.alertaparacatu.blogspot.com/
http://www.serrano.neves.nom.br/

4 comentários:

  1. Olá Sergio
    Mediante tão bem elaborada fundamentação, concordo plenamente com a sua resposta e me calo. Passarei a acompanhar o blog para ler suas sábias escritas. Gostaria de ter sua opinião sobre nossas angústias ambientais manifestadas através de breves textos que passarei a enviar sempre que possível.
    Att Tadeu Santos

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  2. Prezado Tadeu,
    sua participação foi muito importante para a elaboração dessa resposta. Agradeço a oportunidade de participar da discussão dos seus textos. Um abraço e feliz natal!
    Sergio

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  3. Meus caros Sérgio, Tadeu e Serrano (os dois últimos conheço pessoalmente).

    O efeito estufa é irrisório, desprezível... e estamos entrando em nova era de resfriamento, pelos próximos 20 a 30 anos.

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  4. Prezado Fender,

    É bom vê-lo aqui no blog! O Serrano contou-me sobre você, e também tive a oportunidade de assisti-lo numa discussão sobre combustíveis com o Ozires Silva, publicada no YouTube. O Ozires Silva parece não ter entendido o ponto dos seus argumentos que considero corretos e socialmente responsáveis. Agora vamos ver se eu entendi o que você aponta aqui (rrrssss...)

    Vários estudos mostram que a temperatura média global já está aproximadamente 0,8 graus C acima do nível pré-industrial, e os níveis atmosféricos de gases causadores de efeito estufa (principalmente CO2 gerado pela combustão de carvão mineral, petróleo e derivados e gás natural e, num nível menor, desmatamento, mudanças na cobertura vegetal, e emissões de halocarbonos e outros gases-estufa) contribuirão para aquecer mais 0,5-1 grau C.

    À medida que as emissões de gases-estufa continuam a aumentar, tanto o aquecimento direto quanto o “prometido” aumentam a uma taxa de aproximadamente 0,2 graus C por década. Projeções mais pessimistas dão conta que essa taxa será ainda maior, caso não seja adotado o controle de emissões.

    Entendo que as discussões sobre o tema divirjam muito porque existem fatores políticos, econômicos, psicológicos e científicos envolvidos. A maioria das pessoas, incluindo os cientistas que estudam mudanças climáticas, vive no hemisfério norte, onde existe uma tendência ao resfriamento, com invernos cada vez mais rigorosos, como vem sendo observado e televisionado daqui da Alemanha, dos Estados Unidos, etc. Esse fenômeno foi discutido por Damon e Kunen num artigo publicado na revista Science (193:447-453), em 1976, entitulado “Global Cooling?” (Resfriamento Global?). Naquela época, há 34 anos, os autores do estudo mostraram que a tendência de resfriamento observada no hemisfério norte parecia estar fora de fase com a tendência de aquecimento verificada em altas latitudes no hemisfério sul. Eles anteciparam que as flutuações na temperatura seriam explicadas pela perturbação significativa no sistema climático atmosférico, causada por atividades humanas.

    Eles explicaram que o efeito da poluição com material particulado (resfriamento local por causa do escurecimento que bloqueia a entrada do calor solar incidente) é mais intenso no mais densamente povoado e altamente industrializado hemisfério norte. Entretanto, por causa da rápida difusão das moléculas de CO2 na atmosfera, ambos os hemisférios estão sujeitos ao aquecimento devido ao efeito estufa atmosférico, à medida que o CO2 se acumula a partir da queima de combustíveis fósseis.

    Por causa dos efeitos diferenciais das duas formas principais de poluição atmosférica (particulada causando resfriamento, e gasosa causando aquecimento), o efeito estufa do CO2 seria inicialmente mais evidente no hemisfério sul.

    Imagino que outros efeitos ligados à convecção em escala global possam ajudar a entender por que o planeta está funcionando – como avaliou o Serrano recentemente numa conversa telefônica – como uma geladeira: quente no andar de baixo onde funciona o motor, e frio no andar de cima onde está o congelador. A água (líquido refrigerante, nessa analogia) que evapora com o calor do hemisfério sul é transportada para latitudes mais altas, onde perde energia abruptamente, resfriando o congelador. Assim fica mais fácil explicar os invernos rigorosos do hemisfério norte. A verdade é que, na média, a temperatura global está aumentando. E quanto mais aumenta, mais o clima fica desregulado, variando entre condições cada vez mais extremas. Aqui na Alemanha já são comuns invernos com temperaturas abaixo de 15 graus C e verões com temperaturas acima de 40 graus C!!!!

    Então vale dizer que o que a minoria do hemisfério sul sente na forma de calor, a maioria do hemisfério norte sente na forma de extremos climáticos. Mas a explicação dos dois fenômenos é a mesma: aquecimento global! Você concorda?

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